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segunda-feira, 21 de fevereiro de 2011

Crônica Stella Miranda


CRÔNICA

Paradoxo ambulante

Tutty Vasques


Bem-vindos ao Fim do Mundo! Tinha lá uma placa anunciando o lugar pelo nome próprio, mas sem nenhuma conotação de grande transtorno, desgraça total, muito até pelo contrário. Estar ali no extremo sul da Patagônia, tocando aquela pontinha do continente chamada Fim do Mundo, simbolizava um recomeço, ponto de partida da volta por cima. Daquele cafundó de geleiras e icebergs, a 15 graus negativos, Stella Miranda, 54 anos, e sua filha Nicola, 19, retomaram juntas o sentido da vida como, imagina-se, ela é quando decola. Sem dramas, por favor, a aterrissagem foi um sucesso. Nicola desembarcou na faculdade de medicina, Stella se prepara para a próxima novela das 7. O Natal desta vez será com parentes numa praia de Florianópolis. Manja felicidade? Os últimos anos não foram nada fáceis. O câncer impôs a Stella rotina de superação quase sobre-humana e não deu chance alguma ao pai de Nicola, Diduche Worcman. Depois da tormenta emocional, ir literalmente ao Fim do Mundo foi necessário para voltar a explorar uma antiga vocação familiar, a do prazer de viver bem.

Nicola nasceu na Espanha em circunstâncias especialíssimas. Os pais foram esperá-la em um pedaço de paraíso próximo a Málaga. Eram hóspedes de uma fazenda para um curso de artes plásticas. Chiquésimos! Ficaram um ano por lá, e essa não foi a temporada mais longa de Stella na Europa. Aos 23 anos, formada em jornalismo, ela saiu da casa dos pais em São Paulo para viver em Paris com o primeiro marido, Mário Miranda – ele, estudante de filosofia da Sorbonne; ela, primeira brasileira admitida no curso de interpretação e direção da L'Ecole Internationale de Théâtre Jacques Lecoq. Chiquérrimos! O casamento durou três anos, Stella passou cinco na França, sobrou tempo para fazer estágios no teatro de Peter Brooke e com Arianne Mnouchkine do Théâtre du Soleil. Chiquerésima! No final, namorou um colega de curso, o australiano Geoffrey Rush, "aquele que depois ganhou o Oscar de melhor ator com o filme Shine (1996), sabe qual?". Basta!
"Voltei ao Brasil com 28 anos, inteiramente perdida no espaço." São Paulo parecia-lhe o fim do mundo, tanto no sentido literal quanto no figurado. Foi salva pelo amigo e conterrâneo Mário Borges, que a recrutou para viver exílio voluntário no teatro carioca do fim dos anos 70. No grupo de Buza Ferraz atuou em Jaz o Coração, Triste Fim de Policarpo Quaresma e Mistério Bufo. Fez a Ópera do Malandro com Luiz Antônio Martinez Corrêa. Formou turma no Rio e, numa daquelas exposições de Analu Prestes na casa de Chico e Marieta, conheceu Tim Rescala. Nasceu ali uma parceria musical que ajudou Stella a formular um estilo próprio – "sei cantar interpretando", percebeu – e um gênero que ela chama de "teatro cantante". Cantou pelas madrugadas em esquetes e duetos de bar com Eduardo Dusek, Guilherme Karan e Miguel Falabella, divertiu-se horrores até aceitar papel na montagem de Galvez, o Imperador do Acre, de Márcio de Souza, "o maior fracasso do teatro brasileiro". A gravidez e a temporada em Málaga chegaram em boa hora.

Na volta do paraíso, montou Bel Prazer com Tim Rescala, Qualquer Nota com Vera Holtz, e foi ser Tom Waits no espetáculo Caidaça na Fossa, com versões de Lulu Santos, Chacal, Ferreira Gullar, Leo Jaime e Jorge Mautner para as canções loucas do último grande filósofo de botequim nova-iorquino. A atriz quase pirou com o personagem. "Me apaixonei por ele, achava que ninguém mais poderia compreender minha alma." Quem a conhece sabe que o fenômeno é cíclico. Meses depois, durante pit stop em rodeio de beira de estrada na descida de Cachoeira de Macacu, aconteceu de novo: "Me apaixonei perdidamente por Milionário e José Rico". Cismou de fazer aquilo à vera. O Brasil urbano não tomou muito conhecimento, mas Chicotinho & Salto Alto, dupla sertaneja que Stella Miranda criou no início dos anos 90 para ela e Kátia Bronstein, fez shows para multidões Brasil afora e até em Nashville, nos EUA. Leandro e Leonardo gravaram Doida Demais, de Lindomar Castilho, depois delas.

Atriz, cantora e diretora, Stella inaugurou como autora uma fase de biografias musicais muito em voga no teatro. Escreveu e montou a vida de Nelson Gonçalves (Metralha, 1996) e de Elza Soares (Crioula, 2000). Nessa época, fez também sua primeira novela, Salsa & Merengue, do amigo Miguel Falabella. Nada mau para fim de milênio. O século XXI começou com mal-estar, dores no corpo, rim direito condenado e pós-operatório sem fim. Algo estava errado, conferiu o médico Dráuzio Varella, a quem recorreu numa emergência. Nova cirurgia, histerectomia total, uma costela comprometida... "Aí acabou a brincadeira, nada mais era engraçado." Restava-lhe o "Deus Dráuzio" quando "São Miguel" entrou definitivamente em sua vida. Stella estava hospitalizada, debilitada e deprimida, quando Falabella a convidou para ser Carmen Miranda no musical South American Way. "Enlouqueceu, cara?"

Todos pareciam ter enlouquecido. Médico, parentes e amigos a cercaram de livros, discos e vídeos de Carmen Miranda. Um dia ela resolveu também dar uma de doida e aceitou o chamado. "Fiz uma opção instintiva pela vida." Em sã consciência, não se julgaria apta a topar o desafio. Foram três meses de ensaio até o transe total da estréia. "Tive a nítida sensação de que eu era a Carmen Miranda." A atriz está certa de que sobreviveu pela personagem. "Foi praticamente um milagre." Dois anos em cartaz e, ao final da temporada 2003, a notícia da doença do pai de Nicola pegou Stella assumindo a direção da Sala Baden Powell, em Copacabana. Desde então, vem montando um musical atrás do outro. Sem parar. A dor pessoal e a realização profissional já se deitavam juntas havia um bom tempo nas sessões de psicanálise da artista. "Nos últimos quatro anos fui um paradoxo ambulante."

Diduche morreu em janeiro de 2004 e, demorou, só no segundo semestre Stella e Nicola voltaram da viagem ao Fim do Mundo, aventura que consideram o reinício de tudo. "Estou ótima, trabalhando à beça, com uma filha linda... Quer mais o quê? Sou uma fonte de atenção dos deuses." Não se sente no direito de pedir, mas merece um feliz 2005.
 
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